sábado, 11 de setembro de 2010

Ezequiel - Parte Seis

A porta de madeira se abriu com um solavanco, soltando linhas de poeira no ar, visíveis apenas graças à luz do Sol que entrava por trás de Ezequiel. A sua frente, com uma mão na maçaneta da porta e outra segurando um martelo, o ferreiro o encarava, tampando o caminho com seu enorme corpo. Seus olhos esquadrinharam o estranho a sua frente rapidamente. O rapaz parecia exausto, sua pele estava suja de foligem e cinzas e seus cabelos e sua roupa chamuscados em vários lugares. O garoto estava ainda perdido em pensamentos quando o ferreiro quebrou o silencio.
- Posso ajudá-lo, garoto? – ele perguntou sem desviar o olhar dos olhos de Ezequiel.
- Eu..eu – ele sentiu o cansaço e a exaustão tomando conta. A armadura, o ódio e a tristeza cada vez mais pesados. - ...eu...... – e tudo ficou escuro.
O ferreiro havia percebido o quanto o rapaz estava esgotado, logo, não se surpreendeu de vê-lo desabando a sua frente. Segurou por debaixo dos braços, sentido algo de estranho. O rapaz era muito pesado pro tamanho dele. Arrastou-o até um sofá velho e ficou observando. Ela não iria acordar tão cedo. Um facho de luz que entrava pela janela iluminou o rosto e o peito dele por um segundo, mas foi o suficiente para o ferreiro perceber algo refletindo a luz. Afastou um dos lados do casaco e viu algo que o deixou paralisado.
Na floresta de Inosa, a jovem Valéria, filha do ferreiro John, colhia frutas frescas para a sobremesa. Já havia passado no mercado e comprado o que precisaria para o almoço e agora se aventurava sozinha na orla da floresta sem prestar muita atenção ao seu redor.
Quando foi colher um ramo de morangos silvestres uma voz a assustou, vinda de suas costas.
- Esses com certeza estão muito bons.
Valéria caiu assustada derrubando poucas coisas da cesta. Virou-se encarando o dono da voz. À sua frente estava a criatura mais estranha e peculiar que ela já vira. Um velhinho, de corpo encurvado e olhos negros grandes a olhava com interesse.
- Oh, me perdoe se a assustei, mocinha. – disse ele estendendo a mão pra ajudá-la – Não foi minha intenção.
Valéria recusou a ajuda se levantando sozinha. Aquela floresta era perigosa a qualquer hora do dia e não era bom confiar em estranhos, mesmos os mais velhos.
- Não se preocupe – disse recolhendo a cesta – esta tudo bem, eu estava mesmo distraída. – Ao pegar o ultimo morango acabou se cortando fundo no indicador. O velho olhou a mão da moça com muito interesse, quase a devorando com os olhos.
- Você me parece uma boa moça, então vou ajudá-la. – disse o velho desviando o olhar para os olhos dela.
- Não precisa – ela se apressou em dizer – a cesta não esta pesada. – ela puxou a cesta para junto do corpo e uma gota de sangue pingou de seu dedo. Antes de tocar o chão o velho estendeu a mão e agarrou a gota em sua palma.
- Eu não falava da cesta – ele disse fitando a mancha de sangue em sua mão com um olhar malicioso. – Eu falava de Ezequiel. – ele puxou uma faca de dentro de sua roupa e fez um corte na própria mão, mesclando seu sangue ao dela. Seus olhos se fecharam e Valéria sentiu a terra sob seus pés estremecer, como se algo se movesse lentamente, passo a passo e foi então que ela viu. A criatura saiu de dentro da floresta encarando fixamente. Valéria largou a cesta e começou a correr pela sua vida.
O ferreiro ainda estava atônito com a visão da armadura. Lembranças e pensamentos dançavam loucamente por sua cabeça quando o vento carregou uma voz distante, trazendo-o de volta ao presente. Era Valéria, sua filha, e ela gritava de medo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário