sábado, 23 de outubro de 2010

Ezequiel - Parte Sete

Por entre as árvores e arbustos, Valéria corria desesperada, ainda sem acreditar no que seus olhos tinham acabado de ver. Aquilo era bestial. E estava atrás dela. O velho havia feito algo, não sabia se era magia ou qualquer outra coisa, mas sabia que foi ele. Tudo o que lhe restava agora era chegar à sua casa. Enquanto corria, outra resposta lhe ocorreu. Marcus. Ele podia ajudá-la. Deveria estar a meio caminho da choupana dele. Poderia chegar lá se corresse. Se sobrevivesse.
Longe dali, o ferreiro John também corria. Tinha que chegar a tempo. Sua filha corria perigo e ele tinha que salvá-la. Não iria agüentar perde-la também. Sua mão direita empunhava um machado de guerra feito por seu pai. Nunca houve uma arma tão resistente feita por alguém. Exceto, é claro... outro grito! Afastou os pensamentos e tentou manter o ritmo. Não tinha mais o mesmo físico de antes. Há anos não corria e nem lutava, e agora, implorava para que seu velho corpo agüentasse. Outra coisa lhe ocorreu. Marcus. Se Valéria corria para casa, a casa dele estava no meio do caminho. Se ela fosse esperta, e ela era, iria para lá. Se ele chegasse antes dela, Marcus poderia ajudá-lo. A esperança revigorou suas pernas e seu fôlego, fazendo-o continuar a corrida sem perder o ritmo.
Enquanto corria, Valéria orava por sua vida. O medo da morte sempre foi presente em sua cabeça. Uma sombra passou por sobre sua cabeça pousando mais a frente, o impacto chacoalhando o chão e derrubando a moça. Da orla à sua frente à enorme cabeça da fera surgia das sombras. A besta a encarava nos olhos. Valéria não sabia mais o que fazer. Seu caminho para a casa de Marcus e para a sua própria estava bloqueado pela criatura.
- Não se preocupe pequena, Ziz não lhe fará mal. Na verdade, você é mais uma garantia de que Ezequiel virá até nós. – o velho surgia atrás de Valéria, ainda longe para lhe fazer mal. A criatura avançou mais um pouco, seu enorme pescoço estava mais alto que o corpo e sua boca se abria mostrando os dentes afiados e exalando o odor fétido de carniça.
O ferreiro ainda corria desesperado. Avistou a cabana de Marcus. Pulou as escadas da entrada ignorando as dores nas pernas e nas juntas. Bateu desesperadamente na porta da madeira, quase a derrubando.
- Marcus! Por favor, diz que está aí! – não havia resposta. – Marcus! – Ele não estava na casa. O ferreiro saltou de volta as escadas e retomou sua marcha desesperada para salvar sua filha. Ele iria chegar a tempo. Tinha que chegar!
Valéria chorava. Pedia por sua vida, implorava. Mas, ao que tudo indicava no momento, de nada adiantaria. Seu destino estava selado. Lembranças, pensamentos e principalmente duvidas rodavam em sua cabeça. Quem era Ezequiel de quem o velho falava? O que ela tinha a ver com isso? Por que ela? Não era justo.
A fera estava bem à sua frente, a boca escancarada, preparando-se para o bote. Valéria, de joelhos, chorava e tremia. A criatura rugiu e preparou o ataque. Valéria fechou os olhos, as lagrimas jorrando por sua face. Estava certa de sua morte, mas o milagre aconteceu. Um grito, vindo de trás da fera à fez acordar, tudo acontecendo muito lentamente para ela. Uma bola de fogo explodindo e expandindo nas costas da fera, fazendo-a interromper o bote. E empurrando-a mais a frente. Valéria ainda assustada virou-se preparando para se afastar viu o velho ainda perplexo. Aparentemente ele também se surpreendera com o ocorrido.
Outra explosão, a fera tombou. Valéria começou a correr, mas foi interrompida pelo braço do velho. Como era forte! Ele a segurou pelo pescoço, em sua outra mão, a adaga prateada com que fizera o corte. Virou-a de modo que ambos ficavam de frente pra onde a fera estava. A fumaça subindo das costas do monstro. Só agora Valéria via a criatura completamente. Era uma ave gigantesca. Suas asas tombadas tomavam quase a extensão do campo todo.
- E essa é só uma réplica. – o velho sussurrou em seu ouvido, como se lesse seus pensamentos.
Uma flecha passou zunindo rente à sua cabeça, cortando o capuz do velho ao meio e fincando-se a um tronco mais atrás. Ambos assustados. Do meio da fumaça, caminhado por sobre as costas da besta, uma figura surgia. O arco em sua mão esquerda e uma flecha na direita, ainda sem esticar o cordão e apontando para baixo. Desceu da cabeça da fera com um pulo, postou-se em posição. As pernas esticadas, os joelhos levemente arqueados. Esticou o braço direito enquanto ajeitava a mira com o arco. Sua voz saiu cortante e decidida:
- Eu vou dizer só uma vez. Solte a moça ou você morre antes de me ver soltar a flecha. – a mão que esticava a flecha estava rente ao rosto, o arco muito esticado. O velho sabia que se recebesse uma flechada com aquela força, provavelmente não sobraria muito de seu crânio. Como havia chegado naquela situação? Estava tudo sobre controle. Havia pegado o sangue da moça, como o mestre mandara. Havia marcado-a com a fera. Só precisaria de tempo até chegar a Ezequiel. Como tudo mudara tanto em tão poucos segundos? Sua mente estava confusa, e o medo começava a brotar em seu peito. O que fazer?
Ainda presa no abraço do velho, Valéria viu surgir seu salvador por entre a fumaça da fera. Sabia que estava salva agora. Sabia que nada deteria o arqueiro e que podia confiar sua vida a ele. As lagrimas que caíam agora eram de felicidade. Um leve sorriso apareceu em seus lábios e um sussurro quase inaudível escapou por entre os lábios da moça:
- Marcus!

Um comentário:

  1. Nossa Joder..A cada dia você me surpreende mais,com seus contos.Pois se depender de mim,pode continuar postando que pretendo ler todos que você postar.Já é um sucesso,todos eles..Você tem um dom muito lindo,eu já te disse isso,continue que você vai longe..SUCESSO Beijoss!!

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