quinta-feira, 6 de maio de 2010

Ezequiel - Parte Dois

Como descrever a cena à sua frente? Como encontrar palavras que mostrassem o horror que Ezequiel agora contemplava ou sequer convencessem sua mente relutante de que tudo era verdade? Ele terminou de descer a colina e continuou rumando para a sua vila com o pensamento fixo na mente. “Ela ainda esta viva, ela esta bem. TEM que estar!” Onde antes estava a vila agora, erguia-se uma coluna de fogo enorme e imponente, que abrangia toda a redondeza. O calor era insuportável antes mesmo de entrar no vilarejo incendiado. Ezequiel entrou naquele inferno sem pensar duas vezes. Enquanto corria desesperado em direção a sua casa ele pode ver amigos e conhecidos mortos ou ainda queimando sem poder ajudar. Aquilo ficaria cravado em sua memória. O garoto que crescera ajudando a todos como podia, tornara-se um homem que agora assistia impotente à extinção de seu lar.
Ezequiel chegou à porta da sua casa arrombando-a com um chute, mas percebeu o quanto errara ao ver o portal da casa desabando graças à fraca estrutura. Jogou-se para dentro exatamente quando a viga-mestre despencava sobre o lugar onde ele estava. Esquadrinhou rapidamente o andar de baixo à procura de sua mãe, mas nada viu. Começo a gritá-la enquanto subia as escadas, que pareciam querer ruir a cada passo que ele dava.
- MÃE!!! MÃE, CADÊ VOCÊ??? RESPONDE!!! – ele gritava sem resposta. Não tinha muito tempo. Sabia que a casa logo desabaria, mas não podia desistir de achar sua mãe. E foi então que um lampejo de esperança se acendeu. “O galpão”- pensou – “ela pode ter se escondido lá.”
O galpão era mais uma caixa abaixo da casa. Ezequiel o construíra ainda jovem para se esconderem de possíveis saques a vila. Saltou as escadas ao descer e se dirigiu à cozinha. Abriu a porta de baixo do armário da porcelana, herança do lado materno da família, e empurrou a madeira do fundo, que rangeu e se afastou revelando a passagem. Ele se agachou e entrou no estreito túnel. Do outro lado havia um cômodo construído escondido de todo o resto dos habitantes. Sua mãe o mandara construir há muito tempo e ela guardara algumas quinquilharias escondidas naquele galpão.
Ele alcançou o fundo do galpão com o coração cheio de esperanças. O quarto estava completamente escuro e ele não fazia idéia de onde haveriam velas ou tochas. Foi quando ele ouviu uma voz mais a frente.
- Ezequiel –disse em meio à tosse – é você?
- Mãe, a senhora esta bem? – ele tateava o escuro à sua procura – Onde a senhora está? Deixe-me vê-la.
- Não! – ela se apressou em dizer – Fique exatamente onde está, filho. Pro seu bem, ouça o que tenho a lhe dizer.
- Não temos tempo, mãe. A vila, ela foi atacada. O exército pode voltar a qualquer momento.
- Não filho, não foi o exército. Foi pior. Eu sabia que ela ia voltar um dia querendo meu tesouro, mas não achei que eu estaria tão despreparada. E sem o seu pai aqui, não há muito o que fazer.
- Do que a senhora esta falando, mãe? – o rapaz ouviu o casebre rangendo bem ao fundo.
- Só quero que você se lembre que ele ainda te ama, filho. Pegue, foi o ultimo presente pra você – ele pôde ouvi-la abrindo um baú. – Vista isso Ezequiel. – ele sentiu as mãos tremulas de sua mãe colocando algo em seu peito, mas antes que pudesse encontrá-las a parede do túnel explodiu com o desabamento da casa.
Ezequiel foi lançado para frente como um boneco de pano. Ao se levantar notou o abrigo mais iluminado do que antes. A explosão abrira um rombo na parede do túnel e a luz do fogo iluminava o pequeno galpão. Ele se levantou retirando as poucas pedras de cima de si. Sua mãe jazia inerte caída a frente do baú, e em seu peito, à luz do fogo, reluzia uma couraça de prata tão linda quanto odiada por Ezequiel. Ele vestia a armadura de seu pai.

Um comentário: