terça-feira, 1 de novembro de 2011

Ezequiel - Parte Nove

Aquilo não estava acontecendo. Não podia estar. O velho que até então tinha todo o controle da situação, sofrera uma reviravolta inesperada. Agora estava contra a parede. Não era mais o predador, e sim a caça. Aquele guerreiro, Marcus, surgira do nada, derrotara a primeira réplica funcional de Ziz e agora o ameaçava com semelhante arrogância. Encurralara o velho e agora se julgava superior. Ledo engano. A verdade é que, o velho pensava melhor sobre pressão. E, de um jeito ou de outro, não pretendia matar ninguém hoje. Só mandar um recado para Ezequiel. E o recado estava dado. Sorriu maliciosamente e sussurrou palavras desconhecidas ao ouvido de Valéria: “Mae'n rhaid i farw Eseciel

Imediatamente o corpo de Valéria começou a se enrijecer e seus olhos perderam o brilho. O velho, que já esperava a reação, sorriu em desdém e libertou a moça do abraço. Inesperadamente, ela não correu para os braços de seu salvador. Ao invés disso, ficou parada em pé, em frente a ele, totalmente apática e sem vida, como um espantalho em sua haste. Daquele jeito Marcus não poderia arriscar uma flecha. Era um ótimo arqueiro, mas já errara uma flecha assim antes, e custara-lhe muito.

O velho, percebendo a hesitação do rapaz, aproveitou e sussurrou um encanto com as mãos voltadas para o chão. Marcus não sabia o que fazer quando viu uma espécie de lama negra saindo por debaixo das vestes do velho, formando uma poça ao seu redor. A cena era tão grotesca e espantosa que o rapaz não percebeu que quanto mais a poça se formava, mais o corpo do velho ia afundando nela. Marcus teve certeza de que vira a cabeça do velho afundar com um sorriso demoníaco no rosto, até desaparecer por completo. No lugar onde antes estava o ancião, agora só havia grama morta.

Por poucos segundos Marcus manteve-se firme com o arco, mirando o nada, ate cair em si e correr para acudir Valéria. Quando se aproximou, os olhos da moça estavam totalmente brancos e opacos, e catatonicamente fitavam o nada.

- Valéria, fala comigo! – ele disse por fim. Sua voz não soava mais segura e ameaçadoramente, mas sim incerta e carregada de preocupação. – Fala comigo!

Ela não respondia. Os chamados não estavam adiantando. Ele a tocou de leve no braço e chamou-a pelo nome de novo. Vagarosamente, a moça inclinou a cabeça até os olhos alvos fitarem o arqueiro. Seu rosto estava totalmente inexpressivo. Ela o olhava como se ele fizesse parte da paisagem, e talvez nem mesmo estivesse ali.

- Valéria? – ele perguntou com uma ponta de esperança.

Em resposta aos clamores desesperados do rapaz, os lábios da moça começaram a se mover lenta e pesadamente. Ela balbuciava algo num sussurro tão inaudível que ele teve que encostar o ouvido nos lábios dela para entender. Ela movia os lábios constantemente, mas era tão baixo que era difícil distinguir. Ele se concentrou e ouviu atentamente quando finalmente compreendeu a única palavra que a moça repetia: “Dalet.”

De volta à cabana, Ezequiel ainda tentava entender o bilhete, e porque sua mãe o havia escrito. Afinal, quem era Dalet e que ligação teria com sua mãe? Porque precisava encontra - lá? E onde diabos estava o ferreiro a quem ele viera pedir ajuda? Resolveu sentar-se e esperar até que o que ele voltasse, e só então decidiria o que fazer. Com um misto de tristeza e solidão, Ezequiel se acomodou numa poltrona, sentindo que cada vez mais se embrenhava numa floresta escura, mas dessa vez, ele não tinha mais pra quem voltar.

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