quarta-feira, 14 de julho de 2010

Ezequiel - Parte Cinco

Castelo de Inosa. A noite se transformando em madrugada. As luzes do castelo já se encontravam em sua maioria apagadas, exceto pelas tochas nos portões e na masmorra. Esta última era a torre mais alta de todo o local. Não era como em outros castelos e fortes em que haviam torres 7 ou 8 metros mais alta que as outras. Esta torre em questão se encontrava a pelo menos 12 ou 13 metros acima de todas as outras. Só havia uma porta, vigiada por 4 guardas fortemente armados e mais dois para revezarem os turnos, e uma janela que se encontrava no alto do cômodo, onde nenhum ser humano comum conseguiria subir sem ajuda. Lá no alto, rasgando o céu, a masmorra emanava uma fraca luz que fugia pela janela. Dentro do cômodo, por mais estranho que pareça, não havia pó ou qualquer sujeira, mas sim uma vasta biblioteca margeando as paredes. Móveis luxuosos se encontravam espalhados em locais planejados da enorme sala. No centro, duas poltronas estavam viradas de frente uma para outra, com uma mesa separando as duas. Na mesa, um tabuleiro de xadrez sediava uma partida que já durava três horas, mas para os dois homens que jogavam o tempo passava completamente despercebido. Como dois generais em guerra, Félix II e Lúcio se concentravam na partida.
― As coisas estão ficando difíceis, Lúcio. – disse o rei movendo um dos cavalos a frente de um peão. – Muito difíceis. – completou.
― Já quer desistir do jogo, meu amigo? Logo agora que está ganhando. – disse o outro sem sequer levantar os olhos. – Acho que a idade está começando a maltratá-lo, meu caro. – Sua mão se moveu para mexer uma peça, mas se deteve no ar, seu rosto demonstrando a insegurança de qualquer jogador inexperiente. Moveu o bispo e tomou o cavalo recém movido pelo adversário. – Essa foi fácil.
Um movimento decidido do braço real e a torre toma o bispo. – Você deveria prestar mais atenção. Pra um estrategista de sua alçada o xadrez deveria ser um mero passatempo. – olhou para o rosto do outro, que estava visivelmente perplexo em não ter visto a armadilha. – Quem será que é o verdadeiro maltratado pela idade? – ele olha de relance adivinhando o próximo movimento de Lucio. O jogo já estava ganho, como sempre. Ele estava sempre à frente e sempre no comando. Não podia deixar que Lucio soubesse a influencia e o poder que tinha. Felizmente, o tempo de isolação na masmorra acabou deixando Lucio mais parecido com um velho senil do que com o gênio que ele era em seu âmago. Ele ainda dava as melhores decisões de estratégias para batalhas, mas parecia não entender o que se passava direito. Com medo de que seu melhor estrategista ficasse insano de vez, Félix resolveu visitá-lo periodicamente. Poderia vigiá-lo de perto e garantir que a solidão não enlouquecesse o velho. – Você sabe do que estou falando, Lucio?
― Da fera que incendiou aquela aldeiazinha ao sul de Inosa, não é? – ele continuava com os olhos fixos no tabuleiro, procurando alguma saída para virar o jogo. – Achei que você tivesse me pedido para enviá-la.
― Sim, meu amigo, eu pedi. Mas não é isso que me incomoda. Eu disse “sem sobreviventes”, lembra. Um jovem em especial sobreviveu. Como, eu não sei. Mas ele precisa morrer. Você sabe disso. Foi pra isso que mandei que enviasse a besta. Ela destruiu a vila toda, menos o único alvo que ela tinha. Achei que ela fosse eficiente.
― E ela é. – ele continuou – Muito eficiente. Mas você sabe que as feras são difíceis de controlar. Principalmente as três grandes. Não posso controlá-las, ainda mais a distancia. Só pude focá-la. A vila era o alvo. O rapaz deve ter tido ajuda. Como você disse que ele se chama mesmo? – o peão avançou uma casa.
― Eu não disse. – ele moveu a torre até pará-la na mesma linha do rei de Lucio. – Cheque. Não há mais saída. Eu o quero morto, Lucio. Morto. - O rei se levantou e foi se dirigindo à porta. Virou-se rapidamente para Lucio – Espero ter sido claro. Foi bom jogar com você, amigo. Treine mais e um dia quem sabe me vença. – ele bateu na porta. O guarda abriu e a trancou assim que o rei saiu.
Lucio ainda ouvia seus passos descendo a enorme escadaria quando se levantou. A capa lhe caiu do corpo revelando um homem forte rejuvenescido. Ele se dirigiu até uma estante e pegou um pequeno frasco com um liquido quase transparente e se preparou para tomá-lo. Antes de tomar, porem, deteve seu olhar no tabuleiro. Caminhou até ele e observou as peças ainda paradas. Ele teve que fingir que não sabia o que estava fazendo mais uma vez. Com um movimento ele tomou a rainha inimiga e posicionou a sua em direção ao rei. “Cheque mate” murmurou só para si. “Você está errado Felix. Você não convida o Diabo para jantar e pede que ele se comporte” ele pensou. Tomou sua poção e sentiu a costumeira queimação lhe descendo a garganta. “Meus planos vão alem dos seus” e foi com esse pensamento que ele alçou vôo para fora da masmorra, cada vez mais alto, na fria madrugada.

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